Realizou-se no passado dia 16 de Julho de 2011 na sede da Associação Cabo-Verdiana de Setúbal (ACVS) , pelas 16 horas, a 2ª edição da tertúlia crioula Setubalense.
Esta 2ª edição teve como tema a Oficialização do Crioulo e contou com a presença dos membros ACVS, o Núcleo de Estudantes cabo-verdianos de Setúbal, alguns jovens do Bairro da Bela Vista, o coordenador da tertúlia crioula Lisboeta, Suzano Costa acompanhado de mais dois membros.
Como Coordenador da tertúlia esteve Tiago Barros, finalista do Curso de Gestão de Recursos Humanos e presidente da comissão instaladora do Núcleo de Estudantes Cabo-verdianos de Setúbal (NECS). O facilitador da tertúlia foi o Sr. Armindo Tavares, Licenciado em Dramaturgia e Bacharel em Direito e Informática, Professor da língua cabo-verdiana na Escola Superior da Educação no Instituto Politécnico de Setúbal (IPS), colaborador da FORCV, responsável pela reportaji di Lisboa, Presidente e director artístico do teatro Miscelânea, autor de quatro livros, um DVD, todos com peças de teatro.
Como conhecedor e defensor da oficialização da língua crioula o Sr. Armindo iniciou o enquadramento do tema dizendo que a oficialização do crioulo é quase um imperativo, e que a escrita de uma língua pressupõe o conhecimento da sua gráfia.
Depois o facilitador citou como um grande obstáculo o facto de no artigo 9.º da CRC, que tem por epígrafe «Língua oficial», diz: «1- A língua oficial é o português. 2- O Estado promove as condições para a oficialização da língua materna cabo-verdiana, em paridade com a língua portuguesa. 3- Todos os cidadãos nacionais têm o dever de conhecer as línguas oficiais e o direito de usa-las».
Segundo ele os juristas têm feito interpretações diferentes (cada um interpreta a sua maneira) deste artigo, dificultando assim o processo de oficialização do crioulo.
Referiu que nunca haverá unanimidade quanto a oficialização do crioulo, mas que as condições têm que ser criadas de modo a oficializar o crioulo e depois, fazer-se uma avaliação, de modo a ajustar, corrigir deficiências/dificuldades e colmatar as lacunas que o mesmo possa suscitar.
Em cabo Verde nós temos uma língua com muitas variantes de ilha para ilha. Todos percebem o crioulo apesar de cada ilha pronunciar de uma forma diferente. O ALUPEC (Alfabeto Unificado para a Escrito do cabo-verdiano) deve ser conhecido pelos cabo-verdianos de modo a familiarizarem-se com a escrita do crioulo. Defendeu ainda que o crioula é de escrita fácil uma vez que escreve-se da mesma forma como se pronúncia.
Quanto a não existência da letra ”C” no Alfabeto Cabo-verdiano disse que não faz sentido, pelo que as palavras serão escritas com “K” que tem a mesma fonética.
No fim do seu enquadramento deixou bem claro que a oficialização do crioulo na é a oficialização do “badiu” mas sim, da língua cabo-verdiana.
Depois desse breve enquadramento foi dada a palavra a plateia para exporem as suas opiniões sobre o tema e fazerem perguntas que achassem pertinentes ao facilitador convidado, Sr. Armindo Tavares.
A intervenção da plateia começou com a citação de um texto escrito em crioulo, por parte de um participante: “Tudu gentis ta nasi libri y igual ku se dignidadi y ku ses diretu. Es nasi ku intelijensia y ku konsiensia y es debe ten pa kunpanheru spritu di
morabeza.”
morabeza.”
Para o participante a citação deste texto não poderá ser feito por um cidadão das ilhas mais a norte (Barlavento) devido as diferenças de fonética, pelo que acredita que não existe apenas um crioulo em Cabo Verde. Para ele a oficialização do crioulo não é possível, é muito difícil a oficialização do crioulo e não vê nenhuma vantagem nisso.
Numa 2ª intervenção da plateia defendeu-se a oficialização do crioulo mas também, que não é um processo muito fácil. Como por exemplo, um São Vicentino passar a assistir o telejornal na variante do crioulo da ilha de Santiago (badiu). Para as pessoas que estão habituadas no seu quotidiano a uma determinada variante não será justo que de repente lhes sejam impostas outra variante como escrita ou como meio de comunicação, de um modo geral, dentro do país. No fim da sua intervenção deixou as seguintes questões: É justo oficializar uma variante do crioulo em detrimento de outra? Quais serão as regras da oficialização?
Dando seguimento as intervenções da plateia houve quem referisse a falta de materiais (livros) como um problema, apesar de defender a oficialização do crioulo. E se com a oficialização do crioulo não se estaria a acabar com as obras literárias feitas pelos escritores, como por exemplo os Claridosos. Ainda defendeu que é contra a sobreposição do Crioulo em relação ao português. Os quadros cabo-verdianos aprenderam em português, pelo que, com a oficialização do crioulo mais de metade da população ficará analfabeto quanto a escrita do crioulo. No fim deixou a seguinte questão: oficializando o crioulo, como vai ser disseminado na sociedade, na escola?
A oficialização do crioulo é uma luta difícil, uma vez que existe poucos trabalhos de investigação e documentos oficiais sobre o mesmo. O ALUPEC é um instrumento fundamental para avançar-se com a oficialização do crioulo, mas antes tem que se criar as bases. Quanto a sobreposição de algumas variantes do crioulo em relação as outras defende-se um estudo geral e aprofundado, de modo a avaliar-se aquela variante que melhor de adequa e que vá de encontro com os desejos dos cabo-verdianos de um modo geral sem “politiquices” nem “bairrismos”.
Durante o debate houve quem perguntasse se todos concordavam com a oficialização do crioulo. E se concordavam qual seria a estratégia a adoptar para a sua oficialização. Depois referiu que oficializar o crioulo é muito complexo e que ainda os cabo-verdianos não estão preparados. Quanto ao ALUPEC defendeu ainda, que não tem lógica a letra “C” deixar de existir.
Outro participante disse ser contra a oficialização do crioulo e que o português é língua dos cabo-verdianos. Referiu a falta de preparação dos professores e das instituições. “Não estou a ver os professores a explicar em crioulo, os livros escolares a serem traduzidos em crioulo. Qual será a variante a ser oficializada? As ilhas mais pequenas não terão voz na matéria e serão “engolidas” pelas maiores, neste momento não é favorável oficializar o crioulo.”
Quase de forma poética houve que defendesse que o crioulo é o seu nome, sua identidade, pelo que da mesma forma como foi registado pelos seus pais quer que Cabo Verde registe a sua língua materna. Deve-se separar as coisas, não se pode deixar de oficializar o crioulo só porque já tem o português como língua oficial. No fim, disse não saber como, mas que os estudos terão que ser feitos de modo a permitir a oficialização da língua crioula.
Oficializar o crioulo é uma forma de reconhecer a identidade cabo-verdiana, dando a língua materna o mesmo estatuto que a língua oficial portuguesa. Quanto a língua portuguesa defende que é património histórico. Há que ser cabo-verdiano no sentido geral, procurando conhecer todas as variantes que fazem parte do crioulo das ilhas, valorizando o ALUPEC, de modo a criar-se uma forma de escrita unificada que todos possam perceber.
O Sr. Armindo Tavares como convidado e conhecedor do crioulo teve a palavra, novamente, para responder algumas perguntas da plateia e também fazer um apanhado de tudo que já tinha sido dito.
Iniciou a sua 2ª intervenção explicando que existe uma velha rivalidade entre as ilhas “sampadjudos e badius” mas que essa rivalidade não deve ser usada como obstáculo para a oficialização do crioulo. Quanto a escrita em crioulo disse que não é difícil.
Oficializando o crioulo este andará de mãos dadas com o português. Quanto a aprendizagem da escrita do crioulo defende, que da mesma forma, que aprendemos o Francês e o Inglês também o aprenderemos.
Acredita que só depois de oficializar-se o crioulo será possível fazer uma avaliação das consequências e colmatar lacunas que possam surgir. No que diz respeito ao processo e a estratégia a adoptar para oficialização do crioulo salienta que este não deve ser feito num gabinete fechado, nem serão três pessoas que farão as leis. Mas sim, o povo cabo-verdiano deverá ter voz nessa decisão, pelo que deve ser informado de como estão sendo feitos as coisas de modo a poder participar activamente do processo e tomar decisões de acordo com informações claras e concisas.
O cabo-verdiano tem que ser crítico mas apresentando propostas concretas quanto a oficialização do crioulo e ao ALUPEC.
No final da sua intervenção defendeu mais uma vez a oficialização do crioulo mas não, como um processo repentino.
Seguido do breve apanhado do debate feito pelo facilitador convidado, Sr. Armindo Tavares, da tertúlia foi dado novamente a palavra a plateia.
Das intervenções da plateia seguiram vozes a favor da oficialização do crioulo dizendo que o crioulo já deveria ter sido oficializado e que oficializar o crioulo significa dar uma prenda aos artistas e a cultura cabo-verdiana que é muito rica e merece ter a sua língua materna oficializada.
Numa outra intervenção foi dito que Cabo Verde comemorou recentemente o 36º aniversário da sua independência, mas que ainda Cabo Verde não é independente, pois, só o será, no dia em que oficializar a sua língua materna.
Pelo facto do crioulo ainda não ser língua oficial limita o exercício da cidadania do cabo-verdiano. Em ambientes formais o crioulo não é valorizado, o que dificulta a participação das pessoas que têm dificuldades em falar/expressarem-se em português.
No fim da tertúlia todos saíram da sala com a consciência de que é preciso conhecer todas as variantes do crioulo.
Conhecer cabo verde de um modo geral, de forma, a acabar com os problemas de “bairrismo” que muitas vezes limitam as tomadas de decisões e a forma de pensar as coisas.
É preciso conhecer Cabo Verde ilha à ilha, com vista, a tomar decisões que abrangem e que vão de encontro com a população Cabo-verdiana de uma forma geral.
Relatora: Dirce Alves
Coordenador: Tiago Barros
Facilitador: Armindo Tavares
Sem comentários:
Enviar um comentário